António Rita-FerreiraO REGRESSO DE FANY PFUMOPor António Rita Ferreira In “Notícias” 07/06/1973 No último fim-de-semana, decorreu nesta ridente capital, um acontecimento notável mas que passou despercebido aos profissionais da informação: o regresso de Fany Pfumo. Herdeiro do apelido clânico que levou os antigos portugueses a chamar ao local onde hoje se implanta Lourenço Marques “ a Terra dos Fumos”- este cantor de estirpe ronga vivia há mais de vinte anos na África do Sul. Mercê dos seus invulgares dotes de cantor, músico e compositor ali ganhou fama mas pouco proveito. Embora explorado pela poderosa máquina mercantilista que controla a impressão e distribuição discográfica, foi paulatina mas seguramente, divulgando os seus ritmos próprios entre populações estranhas. Para nós o maior dos seus méritos está justamente no facto de ter continuado, por tanto tempo, a beber a sua inspiração no longínquo torrão natal. Cantou a família ausente, as belas que amou na juventude, as saudades que oprimiam a sua alma de emigrante, a venalidade e ausência de ternura das mulheres estrangeiras. Mas como qualquer outro ser humano, também acabou por se adaptar ao ambiente dessemelhante, também terminou por se deixar influenciar pelos ritmos alheios. Temendo que Moçambique perdesse para sempre este talento, vínhamos desde há anos preconizando o seu regresso. Um nóvel e dinâmico empresário que promete ir longe no campo da organização de espectáculos para africanos, conseguiu materializar o velho sonho. Aí está ele, o autêntico Fany Pfumo. E como seria de esperar, a sua estreia no pavilhão do Sporting, alcançou o mais retumbante sucesso. É que o cantor-músico-compositor dispõe também de invulgares dons de comunicabilidade com o público. Revela, além disso, dotes histriónicos, e perfeito à vontade em cena. A multidão que quase por completo enchia as bancadas, parecia de início, suspeitosa de ser vítima de mistificação semelhante à cometida o ano findo por um membro da polícia sul-africana. Mas Fany Pfumo logo conseguiu impôr-se. Assistiram-se então a cenas empolgantes. Jamais tinhamos visto uma multidão de espectadores tão transbordada em espontâneo entusiasmo. Na tarde de domingo esse entusiasmo atingiu as raias do desvario colectivo. Mal havia entoado as primeiras notas de uma das suas mais belas canções, quando milhares de assistentes se levantaram dos seus lugares, romperam em ovações, invadiram o palco, quer para depositar o óbulo da admiração nos bolsos da garrida túnica do ídolo, quer para ensaiar os seus próprios passos de dança, inteiramente intoxicados pelo ritmo. Que espantosa lição de catarse e descontracção! No auge, Malangatana Valente, pintor de projecção internacional mas que mantém as suas raízes tenazmente mergulhadas no solo ronga, sobressaíu-se da turba delirante para erguer o cantor em triunfo. Foi belo, foi único, foi comovente! Claro que Fany Pfumo não deixou de apresentar um dos seus números de bandolim, instrumento abandonado pelos europeus mas que os nossos músicos africanos vieram a descobrir como especialmente adaptável aos seus ritmos vibrantes. Entremeados com as apresentações do filho pródigo, os grupos de Matalana, Djambo 70, Raul Baza e Dilon Jinje, também se esmeraram em números que foram recebidos com geral agrado e frequentes ovações. Pena foi que na aparelhagem de som se registassem algumas deficiências. Assistimos enfim a um espectáculo que será para nós inolvidável. Mas à margem do deleite que a todos os assistentes prodigalizou, permitiu que formulássemos diversas sugestões e observações. Em primeiro lugar, fazemos votos para que os responsáveis pela construção do futuro auditório ou anfitiatro público tenham em menten tanto na traça como na localização, as necessidades específicas da população africana em matéria de diversões e espectáculos. Os africanos mantêm bem vivo esse antiquíssimo sentido de participação colectiva que entre nós se encontrava lamentavelmente apagado. Levam consigo as crianças que traquinam nas escadas e corredores, entram e saem quando lhes apetece, fumam, bebem e comem, conversam animadamente uns com os outros, vão ao palco gratificar ou cumprimentar os artistas e, enfim, se a música for do seu agrado, não hesitam em dançar defronte da orquestra, etc., e tudo isto sem abusos nem truculências, mantendo surpreendente compostura. Ora, os pavilhões desportivos se, por um lado, facilitam essas peculiaridades, não dispõem por outro lado, de satisfatórias condições cénicas ou acústicas para apresentação de espectáculos musicados. Além disso situam-se a considerável distância dos bairros suburbanos onde vive a maioria dos espectadores obrigando a incómodas deslocações e a despesas suplementares com transportes, dificilmente suportáveis por magras bolsas. Em segundo lugar, ressaltou mais uma vez a enorme importância de que se reveste a radiodifusão na detecção e rápida propagação das preferências do público africano. Foi graças à “ Voz de Moçambique”, que Fany Pfumo ganhou a projecção de que desfruta. Em terceiro lugar, não há duvidas que já podem agora classificar-se como acertadas as medidas tomadas no ano findo, não sem controvérsia, visando combater o surto epidémico de conjuntos sul-africanos que, pelo seu maior apelo, dinamismo, profissionalismo e perfeição tecnológica, ameaçava de extinção os artistas e as manifestações neo-folclóricas locais, tristemente ignorados pelos empresários. Em quarto lugar, notavam-se mais uma vez, as gritantes deficiências de que sofre a população suburbana em matéria de transportes públicos. Claro que é desejável que essa população vá perdendo as suas características de marginalidade e se integre progressivamente na comum existência citadina. Mas tal não será possível, enquanto viver assustada com a perspectiva de percorrer quilómetros a pé, alta noite, com mulheres e crianças, para poder assistir a um simples espectáculo. As enormes e impacientes turbas que no último domingo vimos concentradas nas paragens, são testemunho eloquente do muito que resta a fazer neste domínio. Em quinto lugar, afigura-se conveniente que os orgãos de informação efectuem melhor cobertura de acontecimentos que directamente interessam a nossa população de origem africana. Fany Pfumo, é dos valores locais que merece mais aleluias e aufiflamas na imprensa, do que certos artistas que aqui se deslocam fugazmente, acicatados apenas pela ânsia de se locuptarem a curto prazo e em sólida moeda metropolitana, com réditos substanciais.
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